O que eu aprendi ensinando


Com certeza isso já aconteceu com você: ao dar um conselho para alguém você pensou “hmm, eu mesmo não cumpro isso em minha vida.” Eu percebo muito isso em mim ao ensinar. Em nossa sala de aula temos muitas regras: andar e não correr; quando alguém fala, é preciso escutar; usar as mãos para trabalhar; etc. É muito natural para as professoras querer reforçar essas regras com as crianças em todo tempo. Agimos como se fôssemos as detentoras de toda sapiência e elas as receptoras – elas aprendem, nós ensinamos. Na verdade eu nem sequer creio nisso – trabalho com um método que considera que o professor é o guia da criança, aquele que facilita o aprendizado. Entretanto, se você me acompanhasse durante o dia na escola, perceberia que por vezes eu me esqueço disso – quero ser aquela que fala regra após regra, mesmo que muitas vezes eu mesma não as cumpra em minha própria vida.
Já faz um tempo que tenho pensado e repensado minha postura nesse sentido, tentando compreender que as regras que eu passo às crianças devem ser seguidas por mim principalmente – eu sou o exemplo, o modelo. Compartilho aqui com vocês o que tenho ponderado para que vocês possam refletir comigo sobre as coisas que aprendi ensinando.
Quando alguém está falando, nós escutamos
As crianças têm a tendência de falar uma por cima da outra e a regrinha de levantar a mão demora bastante para funcionar. Quando estamos resolvendo um conflito e temos vários pontos de vista para escutar, precisamos também lembrá-las, “agora estou ouvindo ele, depois você pode falar”. Isso me mostra o quanto eu não sou boa em escutar. Quando um conflito acontece na minha vida eu quero falar a minha opinião – atravessada, por cima da sua, mais alto que a sua – até que você me escute. Tiago nos comandou ser tardios para falar, prontos para ouvir – e isso é tão contrário à nossa natureza! Entretanto, eu percebo que uma vez que as crianças compreendem essa regra, a paz se instala. O respeito flui. E a comunicação prevalece. A desobediência à essa regra só gera caos, barulho e mais conflito.
Resolva seus problemas com as palavras, não com choro e gritaria
É sempre assim, alguma coisa acontece e lá de longe o pequeno vem gritando e cheio de lágrimas: “miss Fraaaaaaan!!!”. Ele até tenta me explicar o que aconteceu, mas no meio das lágrimas e dos soluços eu não entendo nada. Por isso eu coloco minhas mãos no ombro dele, acaricio e peço calma. “Enquanto você não se acalmar eu não consigo te ajudar”. Alguns desistem e vão embora chorando. Outros respiram fundo e me explicam – e aí encontramos uma resposta para o problema.
Eu também sou assim. Quando um conflito aparece eu sempre me fecho, fico fria e tenho aquela atitude que diz “adivinhe por si mesmo o que você fez de errado e venha se desculpar”. Isso não funciona 99,9% das vezes. A pessoa fica amargurada com minha frieza e o conflito se prolonga ao invés de se resolver. A regra é simples: tem um problema? Use suas palavras. Vá até a pessoa e diga: você me magoou nisso e nisso, vamos resolver. Chorar, gritar, silenciar – nada disso resolve.
Resolva seus problemas diretamente com quem te magoou
Existe a famosa “fofoquinha amiga” que as crianças usam muito. Um conflito acontece entre A e B, mas C viu e vem me contar. Isso pode ser positivo? Claro, às vezes essa fofoquinha ajuda que nós cheguemos ao conflito com rapidez. Entretanto, nós tentamos ao máximo evitar a “fofoquinha amiga”, porque de uma maneira ou outra, ainda é fofoca. Se o problema é entre A e B, deixe que eles resolvam entre si ou que procurem a professora eles mesmos para pedir ajuda ou se explicar. Muitas vezes a criança C conta uma versão não muito verdadeira, porque ela viu a situação de fora.
Na minha vida é assim: eu tenho um conflito com B, mas eu sempre vou falar sobre isso com C. Simplesmente porque é mais fácil fofocar sobre alguém do que confrontar a pessoa quando ela está errada, ou encará-la quando a errada sou eu.
Manter os conflitos entre as pessoas envolvidas também evita que outros construam uma imagem negativa de alguém – “você viu o que fulano fez com a Francine? Que pessoa horrível!”. Leve seus conflitos primeiramente a Deus – peça sabedoria para lidar com eles – e depois resolva-os com as pessoas envolvidas e só.
Assunto resolvido é assunto esquecido
Adultos e crianças são iguais quando o assunto é perdão – é difícil para ambos. Quando os pequenos brigam, e nós resolvemos a situação conversando e tomando as providências necessárias, eles ainda assim gostam de trazer o assunto de volta vez ou outra. É muito fácil acusar o colega do que ele fez outro dia, é muito fácil se segurar à mágoa que ele causou. E o que eu digo a eles é “eu já conversei com ele, já resolvemos isso. Agora vamos esquecer”. Mas, não é o que eu faço.
Na minha vida eu seguro as mágoas e jogo elas de volta nas pessoas conforme elas me machucam de novo. A Bíblia nos mostra que o próprio Deus, Santo e Poderoso, colocou nossos pecados no passado e os perdoou (cf. Isaías 43:25), e nós nos sentimos no direito de segurar os pecados que outros cometem contra nós.
Arrume sua própria bagunça
Esse é um dos mais práticos, mas ainda assim difícil. É tão fácil pedir e esperar que alguém faça nossas coisas por nós. Em uma reunião no começo do ano na escola tivemos um cafezinho antes de começar. Comemos, bebemos, conversamos… Quando acabou, levantamos e voltamos para a sala da reunião. E então nossa coordenadora nos explicou algo que dificilmente reparamos: alguém arrumou aquela mesa de comidas e bebidas para nós. E alguém ia arrumar depois que saímos. Nós estamos acostumados a termos coisas prontas e até nos esquecemos que alguém teve que fazê-las por nós. Ensinamos as crianças a limpar tudo que sujam, arrumar o que bagunçam e guardar o que pegam. Mas, às vezes, nós mesmos não fazemos isso.
Dê o benefício da dúvida – nunca assuma o pior das pessoas
O benefício da dúvida é algo difícil, mas muito necessário de praticar. Sabe aquele momento em que algo está fora do lugar e as crianças já começam as acusações? “Foi Fulano!!”, “Mas, você viu ele fazendo?”, “Não, mas é sempre ele que faz isso…”. É muito fácil para elas, e também para nós, concluir que quem sempre faz fez também dessa vez. Mas, precisamos ter em mente o benefício da dúvida: pode ser que não tenha sido ele e, até que se prove o contrário, devemos acreditar no melhor das pessoas.
Amy Carmichael disse “Se eu não dou a um amigo o ‘benefício da dúvida’, mas coloco o pior cenário ao invés do melhor em tudo que ele diz ou faz, então eu nada conheço do amor do Calvário”.

Espero que vocês tenham percebido que também não seguem muitas das regras que passam às suas crianças, aos seus funcionários, aos seus amigos… Quando percebermos nossa própria hipocrisia nessa área poderemos seguir crescendo e aprendendo enquanto ensinamos e aconselhamos, e assim podemos ensinar em amor e em verdade, para que Cristo seja manifesto em nós e naqueles que ensinamos.

(Postado originalmente em TruthFaithLove blog, em 05/11/2014)

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